Aos professores e às professoras – um esboço da saudade

Publicado: 15 septiembre 2020 a las 7:00 pm

Categorías: Arte de Enseñar / Documentos

 

Por: Ivane Perotti

Pessoa Em Frente Ao Computador – Hannah Wei Unsplash

As iniciativas partem dos olhos. Morada da poesia.

_ Professora, posso falar?

_ Com certeza. Fale!

_ Quero dizer de mim.

Um demorado suspiro tomou assento atrás do display. A professora, tão preparada nas competências  docentes, fechou os olhos por breves segundos.  Passou-lhe pela alma da memória que as nebulosidades ferem os sentidos. Se Hanna Arendt, ao escrever Homens em Tempos Sombrios,estilhaçara as fronteiras entre arte e realidade, dizer de si, em tempos tão densos, fustigaos sujeitos de coragem. Um açoite de reflexões. Tão necessário quanto dolorido.

_ Professora, preciso dizer de mim. Não sou mais o mesmo. Entende?Levanto para estar aqui todas as manhãs. Saio incompleto dessa sala. As paredes me sufocam. Preciso das janelas de seus olhos. Nunca lhe disse, não estranhe, mas chegar à escola e encontrar você era um parêntese de alegria. Tudo bem se as minhas dores chegavam comigo. Você sabia do que eu precisava. Bastava um olá, um bom-dia, ou até o “entre” após o sinal. Está difícil. Você faz falta em minha vida.

O silêncio da professora calou a rede virtual. Emoções pesam. Acontecem.Regam jardins e rochas. Ocupam lugares. Ligam eternidades. Desfocam o sol. Desaguam grotões. As emoções são espelhos d’alma.  Às vezes, atrelam sentimentos à roda da existência. Outras vezes, partem sem deixar endereço. Assim é.

_ Professora, quero saber de ti. Ainda é a mesma? Nos espera todas as manhãs? Como sai dasala? Queria saber se está bem.Como é estar aí? Seus olhos têm janelas, preciso delas. Você pensa na escola? Sente faltada nossa chegada? Queria saber do que você precisa. Bom dia, professora. Entre, o sinal mudou. Chame, professora. Pode chamar agente. Está difícil.

web, depósito de informações, rompeu o lacre da indiferença. De um lado, a professora chorava o grandioso silêncio. Do outro, os alunos, contagiados pelo desabafo, pediram a vez:

Profa!… sinto a sua falta…

_ Eu também!… saudade.

_ Gostamos de você.

_ Pode fazer todas as provas de Química de uma vez. Eu faço tudo!De rocha!

_ Professora, sonho com as aulas.

_ E eu, sonho que chego na sala, atrasado e…de boa. dentro!

_ Difícil, profe! A gente tá ligado …essa pandemia é…é…

_ Um camelo manco.

_ Com carga!

_ No deserto… sozinho.

Os alunos percebem que a webcamos encara. O último slide paira entre eles e a professora. Então, um a um, conectados pelo verbo dos sentimentos, ligam as próprias câmeras e se deixam ver. Uma explosão de rostos adolescentes irrompe a vastidão de pixels. Olhos carregados de chuvosa saudade tentam sorrir para o outro lado da sala aberta. Colorem-se as telas dos computadores e celulares pelo desejo do dizer dos sentimentos e das emoções. Saudosos, mas conscientes das fronteiras sanitárias, os alunos derramam a ausência física em considerações emocionantes.

Psora…você também sente falta da gente?

O outro lado, que não era outro, nem era lado, molhou a música.  Lágrimas enroscaram-se em , em mi…. líquidos, os bemóis dobraram-se em humilde graça.  A clave de sol, encharcada, liberou-se. Os alunos confirmam, e ninguém duvida: a professora de química ganhou a luz dos astros. O reconhecimento e a saudade combinaram confiança: seguiram o rastilho das estrelas. Juntos, elevaram o volume da música. Juntos,sustentaram as traves da tristeza que tais tempos abrigam. Em pé, os alunos disseram de si e da professora. Da escola e dos professores. Sem rachaduras na tela. Sem rachaduras na escola.

Todos viram o brilho que não morre: muda de lugar. A confiança nos movimentos da vida e da história cantou resistências. A química da educação não se faz em linha reta. Abraça curvas. Rima humanidades. Soma poesias. Faz-se coletividade.

À professora Cária… pelos laboratórios de vida e pelas composições de amizade: a matéria não morre, converte as suas propriedades.

Aos professores e às professoras que, nesses tempos sombrios, deixaram este mundo para desenhar outros, a nossa lembrança imorredoura.

Aos nossos alunos, sábios resistentes, que esbocem os traços de outras histórias, nas quais as narrativas sejam construídas pela consciência, pela justiça e pelo destemor.

Desenhos são projetos da criação: um impulso da vida pensada.

Fonte: 

http://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/aos-professores-e-as-professoras-um-esboco-da-saudade/

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